29.11.17

Sobre azulejos fumegantes, futuro e liberdade

Eu me lembrei do calor que fazia naquela cozinha pequena no final da tarde. Era verão, tinha um prédio em frente, o sol batia o dia inteiro na parede do nosso e lá pelas cinco e meia entrava uma luz alaranjada que se misturava ao vapor quente que saía dos azulejos como se fossem fantasmas pegando fogo. Eu ia tomar banho para te esperar, apesar de começar a suar assim que desligava o chuveiro, e às seis e meia, em ponto, você girava a chave na fechadura.

Quando me lembro dessas coisas, percebo que sinto mais falta da liberdade de ter a casa só para mim o dia inteiro do que a alegria de estar casada com alguém. Sabe, eu não sentia prazer em ficar trancada naqueles trinta e poucos metros quadrados, abafados como um forno em 250 graus, mas eu amava ficar sozinha na minha própria companhia, numa cidade desconhecida. Eu arrumava a casa mais ou menos do jeito que me agradava, fazia macarrão com molho de brócolis no almoço, a geladeira estava quase sempre arrumada e por muitas horas ninguém me incomodava.

Havia momentos a dois que eram bons, com certeza, porém, o que mais me lembro daquele tempo era de estar sozinha. E talvez isso explique minha visão quando penso em futuro, porque me vejo dirigindo numa daquelas avenidas compridas de cidade grande, tamborilando os dedos no volante, enquanto canto uma música indiezinha que tanto gosto e que tanto me faz sonhar com coisas boas. E eu danço sozinha na minha sala, escuto Bon Iver sem precisar de fones, leio confortavelmente esparramada no sofá, tenho paredes brancas cheias de quadros, lavo a louça na hora que quiser, vou sozinha aos lugares que me interessam e acho que tenho um cachorro pequeno. 

Não enxergo outras pessoas nesse meio. Não preciso dividir minha atenção. Não há ninguém abrindo a porta depois do trabalho. Sou apenas eu, realizando um desejo antigo, antes de dizer sim para alguém novamente.

19.11.17

Descobertas literárias

– A parte de literatura latino-americana fica onde? – perguntei ao livreiro, na esperança de encontrar um exemplar perdido de Trilogia Suja de Havana.

– Dessa prateleira até aquela ali. – respondeu ele, apontando o lugar, mas sem dar muita atenção.

– Obrigada.

Não achei o livro que queria; estava em falta. Mas, fuçando as prateleiras, descobri que Tolstói deixou de ser russo. Se tornou “apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco”.

10.11.17

Desconexo

E gosto de pessoas bêbadas sem consciência assim como você para me agarrar doidamente sentindo o gosto de álcool em minha língua e me perdendo em teus olhares desconcertados e em teu corpo pesado e ao mesmo tempo tão ágil e quente e sedento e tão insuportavelmente irresistível para mim como a rouquidão da sua voz esfacelando meus ossos e arrepiando minhas costas e salivando minhas bocas que engolem tua virilidade e te paralisam o cérebro e te fazem se perder e não mais aguentar teus impulsos de ser forte e segurar tuas vontades para não desabar de vez sobre e em mim.