26.3.24

Sobre verdades que doem e desejos

Quando vejo alguma pessoa que gosto vivendo momentos felizes, principalmente no amor, gosto de afirmar para essa pessoa que ela merece viver tudo isso. Ao mesmo tempo, olho para dentro de mim e me pergunto será que também não mereço? Será que, assim como desejo o melhor para os outros e fico feliz por eles, eu não deveria viver algo parecido também?

Dias atrás comentei com minha mãe sobre algo que estava me incomodando. Ela falou o que achava da situação, depois soltou uma frase que tocou bem lá no fundo. Chegando a doer.

“E onde fica o seu crédito de amor?”.

Sim, também mereço amor. Também mereço alguém que tenha medo de me perder e demonstre que está interessado em mim. Mereço alguém que veja uma livraria e diga que se lembrou de mim. Mereço alguém que veja flores e se lembre de mim. Mereço alguém que cuide de mim, que respeite meu tempo e minha atenção. Mereço alguém que saiba que não gosto de rosas vermelhas, mas das rosas cor-de-rosa. Mereço alguém que saiba que "Cem anos de solidão" é meu livro favorito ou que sempre peço sorvete de morango. Alguém que saiba as dores que passei. Alguém que saiba que odeio injustiça. Alguém que me ache incrível mesmo quando eu não estiver me sentindo suficiente. Alguém que me assuma, que se admire de quem sou e que se orgulhe de estar comigo. 

Mereço alguém que goste da minha companhia, mesmo nos dias comuns ou nas coisas mais chatas, como enfrentar uma fila de supermercado. Mereço alguém que seja meu abraço, meu conforto e meu abrigo nos dias ruins. Mereço alguém para conversas profundas e fofocas bobas. Mereço alguém para discutir política, comentar filmes, mandar músicas. Alguém que me encha de memes e vídeos fofos de gatinhos. Mereço alguém que saiba pedir desculpas quando errar. Mereço alguém que conheça minhas manias, chatices e variações de humor. Mereço alguém que me ame, me deseje e me devore na cama. Mereço alguém que não me deixe dormir confusa, angustiada ou achando que sou uma trouxa sem importância.

Simplesmente mereço alguém que esteja comigo. Por inteiro.

23.10.23

Cansaço repetido

Existe uma cena na minissérie Maid que representa bem como venho me sentindo ao longo deste ano. A personagem Alex está com o olhar vazio, sentada num sofá, enquanto a vida acontece ao seu redor. Cada vez mais ela vai se afundando, até que acaba sendo engolida pelo sofá e se torna parte dele.

Do ano passado para cá, as coisas mudaram na minha família numa velocidade tão grande que não houve tempo para processá-las. De repente meus avós se tornaram incapazes de morar sozinhos. Minha mãe teve que se dividir entre nossa casa e a deles. Depois minha tia e o marido, e no fim, o cansaço do cuidar começou a sufocar.

Ficamos todos estagnados, com a vida bagunçada, sem conseguir fazer nada. Começaram os atritos. As expressões insatisfeitas. As reclamações constantes. O desgaste da mente.

Parei no tempo. Perdi a vontade de encontrar amigos ou conhecer pessoas. Me sinto sempre cansada. Recuso os convites que aparecem. Sigo numa rotina sem rotina fazendo o possível com a energia que tenho. Sabe quando o carro está com a embreagem pesada e você continua forçando? Sou eu.

E cansada que estou, pelo menos hoje queria ficar aqui sentada no meu sofá, esperando uma mão gentil que me puxe para levantar.

26.12.22

Olá, você

Dois anos se passaram desde a última vez que escrevi. 

Acabei entrando num hiato cansativo que me tirou a vontade de escrever. Fui adotada por um gato bravinho que ama deixar marcas nas minhas pernas. Meu avô quase morreu duas vezes, ficou com a saúde debilitada e, desde então, tenho a sensação de que seu tempo está acabando. Minha avó avançou outro estágio no Alzheimer e se tornou ainda mais esquecida. Meu irmão mudou de cidade. Vivi dias chorosos e solitários. Me decepcionei e me frustrei bastante. Conheci e desconheci pessoas. Lidei com situações estressantes. Experimentei um trabalho que me acendeu o alerta de que a pandemia havia me causado mais estragos do que eu esperava.

Por várias vezes senti um cansaço com tudo, um desgaste emocional imenso, uma falta de paciência, uma hostilidade digna de pinscher, uma vontade de não fazer nada, como se eu estivesse amarrada ou carregando um peso, e ao mesmo tempo me angustiava com uma necessidade desesperada de mudar os rumos da minha vida.

Trabalhar com algo que eu gostasse, em vez de me desperdiçar com empregos ruins. Cortar laços falidos. Movimentar o corpo travado. Quebrar meus bloqueios e voltar a escrever com frequência. Resgatar meu lado criativo. Me apaixonar por algo. Me apaixonar por alguém.

Há pouco tempo me peguei com um aperto no coração ao ver tanta gente querida sendo, enfim, feliz no amor. Me perguntei se eu também teria essa sorte algum dia. Se meu destino seria continuar sozinha ou apenas cruzar de tempos em tempos com pessoas que acabavam me machucando de alguma forma. 

Talvez seja uma coisa de idade. Talvez seja uma necessidade pós-pandemia. Não sei. Às vezes sinto falta de sentir a animação de uma paixão correspondida – dessas que colocam um sorriso bobo no rosto, um brilho diferente nos olhos e um suspiro no peito. Sinto falta de me sentir viva nessa parte do coração. De tê-lo outra vez batendo acelerado, cheio de desejo por alguém.

Por mais que eu goste da minha companhia, da minha introversão, dos meus momentos, não dá para negar que a vida é silenciosa demais sem uma paixão.